A Lei Nº 14.016/2020 conseguirá reduzir o desperdício de alimentos?

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Oscar Moreira

Oscar Moreira

Mestre em Educação, pós-graduado em Gestão Pública e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Consultor de Políticas Públicas premiado pelo SEBRAE Minas. Palestrante e instrutor de cursos voltados as políticas públicas sociais.
Oscar Moreira

Oscar Moreira

Mestre em Educação, pós-graduado em Gestão Pública e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Consultor de Políticas Públicas premiado pelo SEBRAE Minas. Palestrante e instrutor de cursos voltados as políticas públicas sociais.

A difícil tarefa de reduzir o desperdício de alimentos através da nova Lei.

Desde o “descobrimento” do Brasil pelos portugueses sabemos que aqui “em se plantando tudo dá”, como descreveu Pero Vaz de Caminha em carta endereçada ao rei Dom Manuel de Portugal. A diversidade de alimentos produzidos no Brasil é muito grande, e sabemos do desperdício que boa parte dos alimentos aqui produzidos sofrem até a chegada à mesa dos brasileiros.

Os caminhos das perdas são vários: na colheita, no transporte, na comercialização atacadista e de varejo, bem como não é aproveitado pelo consumidor final. É o desperdício em três níveis citados por Rafaella Câmara e Daniela Gomez[1].

Dados do World Resources Institute dão conta que desperdiçamos mais de 41 mil toneladas de alimentos por ano[2]. Segundo a Embrapa, somente em 2018 o desperdício de alimentos no Brasil é de 128,8 kg por família[3]. É muito alimento jogado fora mesmo tendo inúmeras pessoas e famílias abaixo no nível da pobreza, que não sabem como e nem quanto irão se alimentar novamente.

De toda maneira, no último dia 23 de junho de 2020 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.016, que “dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano”.

A maior virtude da lei em comento é possibilitar a desconstrução do mito da proibição da doação criada ela Lei nº 8.137/1990, ao delimitar a responsabilidade dos doadores e dos intermediários que distribuem os alimentos aos beneficiários finais. Os art. 3º e 4º da Lei são evidentes sobre a incidência e limitação das responsabilidades dos doadores. Vejamos:

Art. 3º O doador e o intermediário somente responderão nas esferas civil e administrativa por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo.

§ 1º A responsabilidade do doador encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao intermediário ou, no caso de doação direta, ao beneficiário final.

§ 2º A responsabilidade do intermediário encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao beneficiário final.

§ 3º Entende-se por primeira entrega o primeiro desfazimento do objeto doado pelo doador ao intermediário ou ao beneficiário final, ou pelo intermediário ao beneficiário final.

Art. 4º Doadores e eventuais intermediários serão responsabilizados na esfera penal somente se comprovado, no momento da primeira entrega, ainda que esta não seja feita ao consumidor final, o dolo específico de causar danos à saúde de outrem.

Em primeira análise, entende-se que os limites das responsabilidades estão bem limitadas. Deixando os doadores e intermediários com melhores condições para tomar a decisão de doar.

A Lei nº 14.016/2020 é um mais passo para a redução do desperdício ao permitir a doação de alimentos in natura, industrializados e até mesmo refeições prontas, desde que estejam dentro dos prazos de validade, íntegros e sanitariamente dentro dos padrões, como prescrito no em seu art. 1º.

Esses alimentos podem vir de empresas, hospitais, supermercados, cooperativa, restaurantes, lanchonetes ou de qualquer local que produza ou manipule alimentos. Sendo destinados as pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade social.

Contudo, a complexidade do problema que envolve o desperdício de alimentos demonstra que a redação atual da lei não conseguirá chegar ao seu objetivo final sozinha. A legislação precisa ser acompanhada de um conjunto de políticas públicas capazes de envolver todos os setores sociais. Ou seja, o Estado, o setor empresarial e as organizações da sociedade civil (OSC). Cada um destes setores é relevante para implementação da prática social de redução de alimentos.

O Estado tem o poder indutor de desenvolvimento de as ações mobilizadoras, fiscalizadoras e educativas, por exemplo. O setor privado que movimenta a produção e comercialização dos alimentos deve estar engajado na redução do desperdício, como na organização das plantas de processamento de alimentos. E, as OSC tem protagonismo, capilaridade e conhecimento acerca das pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social.

Ainda nesta linha de raciocínio é necessário um conjunto de ações estatais norteiem a execução da política pública de redução do desperdício. Dentre essas ações entende-se que a criação de decreto para regulamentar a prática da lei, regulamentações da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA), aparelhamento dos bancos de alimentos públicos e os locais de recebimento junto aos intermediários privados sem finalidade lucrativa devem orientar as ações estatais. Lembra-se que a lei inclui as OSC que atuam na área da assistência social de cunho religioso ou não, como proposto pelo art. 1º, § 2º, da Lei nº 14.016/2020, como protagonistas das doações.

O envolvimento de todos esses atores sociais deve ser mediada por ações educativas permanentes geradoras de uma cultura nacional de redução do desperdício. A transdisciplinariedade da temática se mostra um ótimo tema gerador de práticas educativas formais e informais. Em suma, o que se vislumbra é a construção de práticas educativas substantivas e ensejadoras de um processo de aprendizagem significativa para todos os envolvidos.

Reforça-se que a legislação precisa de outros instrumentos robustos para sua implementação, pois é composta de apenas seis artigos, da qual uma das prescrições tem validade durante a pandemia do COVID-19. Esse ponto é o artigo 6º da Lei nº 14.016/2020 que determina a priorização da aquisição de alimentos da agricultura familiar por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) durante à vigência da Lei nº 13.979/2020. A redação atual da lei está aquém da complexidade fática do problema.

O entendimento acerca das lacunas da lei encontra eco nas palavras de Luciana Araújo Vacari Dorim, nutricionista do Programa Sesc Mesa Brasil, unidade Belo Horizonte/MG. Segundo ela a Rede Brasileira de Bancos de Alimentos não foi consultada sobre a legislação, sendo que poderia auxiliar na construção de regras mais robustas para atacar o problema.

Em suma, o país saiu da ausência de norma específica de âmbito nacional sobre doação de alimentos, mas evoluiu menos do que deveria e precisava para equacionar o problema albergado no direito humano à alimentação adequada.

[1] Disponível em http://www.pucrs.br/revista/uma-lei-que-mata-de-fome/. Acesso em 30 de junho de 2020.

[2] Disponível em https://rochadvogados.com.br/nova-lei-permite-a-doacao-de-alimentos-sem-responsabilizar-o-estabelecimento-doador/ . Acesso em 30 de junho de 2020.

[3] Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/14/senado-aprova-doacao-de-alimentos-que-sobrarem-nos-restaurantes-a-pessoas-carentes.ghtml . Acesso em 30 de junho de 2020.

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